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Relato de parto de Fabíola Glenia - nascimento de Glenda

Um parto natural hospitalar transformador e libertador, que quase não esperou a médica

 

Assim nasceu a Glenda...

 

É engraçado pensar no dia 29 de março de 2005. Algumas recordações são absolutamente nítidas, outras são tão vagas que me dão a clara sensação de que realmente vivi uma espécie de transe. De qualquer forma, nunca me esquecerei desse dia, pois ele foi, seguramente, o mais importante da minha vida.

 

Eram cerca de 3h30 da madrugada de terça-feira quando me lembro de ter sentido uma pontada. Levantei, fui ao banheiro pela milionésima vez e voltei pra cama com uma leve indagação rondando o pensamento: "Será que é hoje?".

 

Na dúvida, e para evitar expectativas desnecessárias, resolvi voltar a dormir. Poucos minutos depois, nova pontada e uma estranha alegria: essa poderia ser a dor que traria, em breve, minha filha pros meus braços.

 

Mais pela excitação que pelo incômodo resolvi sair da cama. Fui pra sala, sentei na minha cadeira de balanço comprada especialmente para amamentar meu bebê, coloquei meu CD de música instrumental predileto, acendi um incenso e fiquei balançando, contando o tempo de duração de cada contração e o intervalo entre elas.

 

Desde o começo minhas contrações foram regulares: vinham a cada 5 minutos, em média, e duravam entre 30 e 40 segundos. Em uma hora, foram 14 seguidas e, como eu já havia estudado um bocado, isso era trabalho de parto.

 

Como eu me sentia absurdamente tranqüila, resolvi que não acordaria ninguém de madrugada desnecessariamente, nem meu marido, nem minha irmã (que passava as férias aqui, me ajudando com a mudança de apartamento que eu havia feito há duas semanas), muito menos a equipe que seria responsável pelo parto.

 

Somente por volta das 8 horas da manhã, quando Adriano, meu marido, já havia acordado e começava a esboçar cara de pânico, julguei ser um horário apropriado para ligar para a dra. Andréa Campos. Ela estava no hospital fazendo uma cirurgia, pediu para que eu descrevesse o quadro, concluiu que provavelmente era mesmo o início do trabalho de parto e me sugeriu ligar para a Ana Cris.

 

Telefonei, então, para a Ana Cris, descrevi novamente a situação e ela me disse que era só o começo do trabalho de parto. Falou para eu fazer o que tinha de fazer, relaxar e que, assim que possível, ela viria pra minha casa.

 

Meu marido fez menção de não ir trabalhar, mas como eu sabia que a situação ainda poderia demorar horas e que ele, possivelmente, só iria me deixar nervosa, despachei-o para a loja.

 

Minha irmã e eu resolvemos assistir ao vídeo que havíamos alugado na véspera. Entre uma contração e outra, eu tentava acompanhar as legendas de "Um Príncipe em minha Vida" mas, desnecessário dizer que não cheguei nem à metade do filme.

 

Nesse ínterim, Ana Cris chegou em casa. Creio que eram umas 12h30, aproximadamente. Sua presença me deixou absolutamente calma, com a sensação de que, dali em diante, eu estava amparada.

 

Ela se sentou na cadeira de balanço ao lado do sofá, colocou a mão sobre a minha barriga, "ordenou" que eu continuasse vendo o filme e foi contando as contrações. Ela calculou que o processo iria longe e que Glenda, provavelmente, só nasceria de madrugada. Ligou para a dra. Andréa, tranquilizou-a e seguimos batendo papo. Mas Ana Cris desconhecia minha capacidade de surpreender (risos).

 

Depois de um exame de toque constatou-se que o colo do meu útero estava completamente fino, amolecido, o tampão se desprendeu e, aparentemente, houve um ruptura alta da bolsa, porque algumas gotas de líquido escorreram.

 

Nesse momento, não se falou em dilatação. Mas, como muitas de vocês sabem, muitas vezes basta um exame de toque para a coisa engrenar de vez. E foi o que aconteceu comigo. De repente as contrações começaram a ficar muito mais próximas umas das outras e um bocado mais dolorosas.

 

Meu marido apareceu de repente em casa. Eu perguntei o que ele estava fazendo aqui, como quem diz "ainda não há motivo para pânico", mas parece que o instinto paterno dele falou mais alto. Em poucas horas Glenda estaria definitivamente em nossas vidas.

 

Alguém sugeriu que eu almoçasse e eu achei a idéia interessante, já que sabia que precisaria de energia para o parto. Ocorre que as contrações doíam tanto a essa altura que não pude comer, pois sentia ânsia de vômito.

 

Eu quis tomar banho, mas me lembro que nesse momento Ana Cris passou a sugerir com certa veemência que, talvez, fosse prudente seguirmos para a maternidade. A partir de então, eu estava completamente entorpecida, na "partolândia", como dizem. Minhas lembranças vêm em flashes. Fomos para o carro. Minha irmã, Adriano e eu fomos no nosso carro, seguidos de perto pela Ana Cris. Eu não prestei a menor atenção ao trajeto. Lembro apenas que, nesse momento, a dor era um bocado intensa e os solavancos e brecadas do carro tornavam tudo um pouco mais complicado de administrar.

 

Tive muito, muito medo de desistir. Acho que repeti essa frase umas 200 vezes pro meu marido e umas 750 vezes pra Ana Cris. Pensei que chegaria ao Santa Catarina, seria examinada e ouviria algo como: "ela está com 3 centímetros de dilatação". Se assim o fosse, eu tinha certeza que pediria arrego. Mas Deus não abandonaria uma filha tão tinhosa.

 

Chegamos à maternidade, Ana Cris foi nos guiando pelos corredores e quando chegamos ao local indicado a enfermeira disse que as salas de admissão estavam todas ocupadas. Tive ímpetos de chorar. Sentei numa poltrona, respirando muito compenetradamente e, então, saiu do elevador uma outra gestante, de malinha na mão, semblante absolutamente tranqüilo e cesárea com hora previamente marcada. Achei aquilo tão sem emoção que resolvi que continuaria tentando.

 

Ao ser finalmente examinada pela enfermeira obstetra da maternidade ouvi algo como "ela está com dilatação total". Pensei estar sonhando. Quando ela deixou a sala, Ana Cris me olhou com firmeza nos olhos e disse: "Você ouviu? Você está com dilatação total!" Quase não me contive de alegria. Embora a dor fosse intensa, eu tive a sensação de que se eu chegara até ali, poderia ir até o fim.

 

Logo depois, veio a vontade de fazer força. Dra. Andréa ainda não havia chegado. Estávamos só Ana Cris e eu na sala. Eu olhava pra Ana Cris e perguntava pela dra. Andréa. Ela dizia que ela já estava chegando. Algumas pessoas entraram e saíram da sala. Nesse momento eu já não me dava conta de nada. Só me concentrava no que meu corpo pedia. Desde o começo do trabalho de parto, ainda de madrugada, eu tinha duas coisas muito claras na cabeça: era preciso me concentrar muito na minha respiração - e ela foi o fio condutor de todo o processo, uma espécie de porto seguro pra mim, não sei exatamente por quê razão; e, segundo, que a dor fazia parte do processo, mas que era possível administrá-la ou, como disse alguém da lista, ficar amiga dela.

 

De repente meu marido apareceu na sala. Mais tarde (não consigo precisar o tempo, pra mim tudo se passava numa dimensão em que os minutos marcados pelo relógio não têm vez) chegaram a dra. Andréa e a dra. Mema.

 

Ajeitaram a cama de parto, coloquei os pés no estribo, fiquei praticamente sentada de cócoras e, a cada contração, dilacerava os dedos das mãos da Ana Cris e do meu marido. Mais tarde, ela teve a idéia de colocar uma barra na cama e essa foi minha grande aliada.

 

Sem aquela barra acho que eu não teria parido. Me agarrava a ela com tanta fúria que isso foi imprescindível para que eu pudesse fazer a força necessária pra Glenda nascer.

 

Durante toda a gravidez eu pensei que iria conseguir ficar quietinha na hora do parto. Sempre me lembrava da minha mãe dizendo que uma amiga dela fazia tamanho escândalo durante o parto que todo o quarteirão em volta do hospital podia escutar. Fiquei com aquela sensação de que gritar durante o parto era feio, mas, posso dizer? Nada como uns bons berros pra ajudar o bebê a nascer. E eu posso garantir que, pudores à parte, gritei com muita vontade. Embora estivesse com dilatação total, me lembro de ter ouvido a dra. Andréa dizer que eu estava com um rebordo de colo. Foi preciso corrigir isso com a mão e, nesse momento, tive vontade de morder alguém. Felizmente, todos estavam a uma distância segura, o que não me permitiu colocar a idéia em prática.

 

Bebi muita, muita água. Acho que sequei o reservatório do Santa Catarina. Tive várias contrações, muita vontade de fazer força e não tenho a menor idéia de quanto tempo durou meu expulsivo. Dra. Andréa falou de algo em torno de 40 minutos. Fazia força, achava que as coisas não estavam progredindo, mas ouvia palavras de alento que foram essenciais nesse momento. Ana Cris, dra. Andréa e dra. Mema repetiam o tempo todo que eu estava quase lá, que tudo estava perfeito, que o bebê estava descendo, que o parto estava progredindo bem. Parte do meu cérebro achava que aquilo era só pra me animar, mas todo o resto do meu corpo acreditava naquilo com uma voracidade incrível.

 

E assim segui fazendo força, blasfemando contra as mulheres que disseram que o expulsivo não doía tanto e, de repente, "blop". Glenda escorregou. Às 17h43 do dia 29, duas horas depois de chegar na maternidade. Olhei na mão da dra. Andréa e vi ela "desenrolando"um corpinho. Sim, Glenda custou um pouco a sair porque tinha duas circulares de cordão e, de brinde, mais uma volta debaixo dos braços.

 

Ela foi embrulhada em algumas toalhas e veio imediatamente para o meu colo, ainda com o cordão intacto. Peguei-a no colo e algo muito mágico aconteceu. Eu sempre tive a certeza de que minha primeira sensação quando a visse seria de estranhamento e, segundo li, isso é absolutamente natural. Ocorre que quando olhei pros olhinhos dela tive um sentimento tão intenso de familiaridade que fiquei completamente impressionada. É como se eu já a conhecesse há muito, muito tempo. Senti tanta intimidade com aquela criaturinha e só me lembrei de dizer: "viu, filha, a gente conseguiu. Eu sabia que a gente conseguiria". Sim, porque estou absolutamente convencida de que, sem a ajuda da minha filha, eu não teria conseguido. Ela foi uma pequena guerreira e, desde o dia 29, somos mais que mãe e filha.]

 

Somos aliadas, somos parceiras, amigas para o resto de nossas vidas. Glenda mamou logo que nasceu. Foi aquela mamada inicial, meio despretensiosa, meio sem jeito, mas muito importante. Depois que o cordão umbilical parou de pulsar, eu mesmo o cortei (o pai teve certo receio de fazê-lo). O pediatra deu uma rápida examinada na minha pequena e ela logo voltou para o meu colo. Senti novamente vontade de fazer força, fiz uma forcinha mínima e lá se foi a placenta, sem que ninguém precisasse fazer tração, manobra de Kristeller ou qualquer outra coisa. Glenda ficou no meu colo por cerca de duas horas. Depois, como não se pode burlar todas as regras hospitalares, ela seguiu para o berço aquecido.

 

A enfermeira que havia ficado na sala com os olhos estatelados de horror me viu passar sozinha de uma maca para outra. Me elogiou muito, disse que nunca viu nada parecido e admitiu que não teria coragem de enfrentar isso. Só posso lamentar por ela. Se privar do prazer de parir é o maior crime que uma mulher pode cometer contra si própria. Para mim, é absolutamente incompreensível que as mulheres aceitem sentir dor para fazer depilação, para tirar a sobrancelha, para se submeter a uma lipoaspiração, para injetar toxina botulínica, para usar salto agulha, tudo em nome da vaidade e da beleza, e fujam da dor mais libertadora que existe no mundo.

 

Eu jamais seria hipócrita de dizer que parir sem anestesia não dói. Dói sim! Mas é a dor mais prazerosa que existe, mais transformadora. Clichês à parte, dar à luz um filho de forma natural, fisiológica, sem nenhum tipo de intervenção, é uma força tão transformadora que equivale a nascer novamente. Desde o meu parto me sinto tão poderosa, tão forte, tão mulher, segura e determinada que quase mais nada me amedronta. Me sinto pronta para viver de verdade.

 

Glenda nasceu às 17h43 do dia 29 de março de 2005, com 3.260 quilos, 49 centímetros e Apgar 9 - 9. Nesse dia também nasceu uma nova Fabíola, que se descobriu uma mãe desvelada, completamente apaixonada por esse papel tão absurdamente convencional e, ao mesmo tempo, incrivelmente fascinante.

 

 

Fabíola Glenia

São Paulo - SP

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