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Relato de parto de Ana Paula caldas, nascimento da Lis

 

Relato de parto de Ana Paula Caldas- Nascimento da Lis

Três anos após uma cesárea, um trabalho de parto de mais de 24 horas e um parto natural domiciliar, com assistência de parteira e doula.

Este parto começou a ser gerado há quase 4 anos, após o nascimento do meu primeiro filho, Miguel, por cesárea. Naquela época, por sugestão da minha primeira obstetra, comecei a participar da lista Amigas do Parto e através das discussões da lista aos poucos fui questionando tudo aquilo que aprendi durante os anos de faculdade de medicina e na prática da neo-natologia.

 

Foi um processo lento, penoso e irreversível.

 

Através da lista, fui abandonando a idéia do parto como algo perigoso e necessitado de inúmeras intervenções médicas. Assim, antes mesmo de engravidar novamente, já estávamos decididos pelo parto em casa, assistido por uma parteira. Isso era uma coisa que eu fazia questão: nesta altura eu já estava convicta que a grande maioria dos obstetras não está capacitado para atender a um parto natural sem intervenções; ¬são os vícios da nossa formação, que privilegia o uso indiscriminado da tecnologia.

 

Conheci a Vilma Nishi, uma parteira experiente, dedicada, sensível e sintonizada com a força da natureza e com o significado espiritual do nascimento de uma criança.

 

Assim que comecei o pré-natal com ela e na metade da gravidez já fui surpreendida pela diferença da abordagem. Ao contrário dos médicos, partíamos sempre do princípio que estava tudo bem comigo e com o bebê, e não o contrário.

 

Foi uma gravidez ótima. Fiz pouquíssimos exames:¬ apenas o básico¬ e um único ultra-som com 24 semanas, quando soubemos que esperávamos uma menina.

 

Certo dia, eu acordei bastante incomodada com contrações indolores, mas muito freqüentes. Às 22 horas a bolsa rompeu e as contrações aumentaram de intensidade e ficaram regulares. Liguei para a Vilma e para a Ana Cris, a doula, e começamos a arrumar o cenário: arrastamos a cama, trouxemos um colchonete, acendemos velas e escolhemos CDs.

 

Eu achava que a evolução do trabalho de parto seria rápida, já que no parto do Miguel cheguei a sete centímetros em cerca de cinco horas. Mas quando a Vilma me examinou levei um susto: colo do útero grosso, um centímetro de dilatação. A noite ia ser longa.

 

Fizemos uma massagem. Eu tentei dormir um pouco, mas não consegui. As contrações estavam aumentando e a Vilma sugeriu que eu fosse para a banheira relaxar. Fiquei horas lá, ouvindo música à luz de velas.

 

Apesar das dores, eu me sentia feliz, sintonizada com o meu corpo. Pensava na minha avó, que pariu 12 filhos em casa e em todas as mulheres antes dela. Tudo estava como deveria ser e eu me senti grata por poder viver esta experiência em casa.

 

Durante a madrugada, as contrações foram ficando bem fortes, mas a dilatação progredia lentamente. De manhãzinha, eu estava com quatro centímetros, bastante cansada e com muita dor.

 

Na hora do almoço, a Vilma sugeriu que eu descesse, andasse no sol e me movimentasse, mas eu estava completamente sem energia, desanimada e mal conseguia me mexer.

 

Eu nem podia pensar em comida, mas a Vilma apareceu com um prato de comida e praticamente me obrigou a comer. Comi um pouquinho e imediatamente senti alguma coisa mudar. Fiquei bem mais animada, tomei um banho, desci para a sala e consegui conversar “civilizadamente”.

 

A Vilma preparou uma "poção" com homeopatia para melhorar o ritmo das contrações e elas passaram a ser mais freqüentes, porém mais curtas e suportáveis.

 

Caminhei, tomei sol, mexi a bacia. Fiquei pendurada na rede, de cócoras, e também sentada na bola suíça. Dancei com o Fernando na grama. Ele disse muitas vezes que tudo daria certo, que eu ia conseguir ter o nosso neném em casa, como a gente queria.

 

À tardinha as contrações voltaram a doer bastante e à noite, um novo toque: sete centímetros! Todo mundo comemorou, fiquei muito animada e continuei alternando exercícios na bola e caminhadas.

 

Lá pelas 11 da noite fui deitar com o Miguel para fazê-lo dormir. Tive umas contrações punks (sem poder gemer muito para não assustar o menino) e, quando levantei, estava com uma tremedeira incontrolável. Eu devia estar na transição. Fui para o chuveiro quente, onde consegui relaxar.

 

Por volta da meia noite, a dilatação já estava completa e comecei a fazer força em várias posições: ¬de lado, de quatro, deitada, de cócoras. As horas foram passando e a dor beirava o insuportável. Tudo doía: os ossos da bacia, a perna, a barriga. Se eu estivesse no hospital, nessa hora teria pedido analgesia com certeza - aliás, teria pedido bem antes. Ainda bem que não estava!

 

Todos faziam massagem nas minhas costas durante as contrações. Perdi a noção do tempo. Nem sei que horas eram quando a parteira me examinou de novo e disse que o neném estava defletido. Nessa hora, fiquei de-ses-pe-ra-da!

 

Embora ninguém tenha jamais sugerido tal coisa, achei que teria que ir para o hospital, porque todos os partos de bebês defletidos que eu já vi acabaram em

cesárea ou fórceps.

 

Daí para frente, eu chutei o balde: gritei, chorei, xinguei todo mundo, falei que não agüentava mais. Voltei para o chuveiro e fiquei sentada na bola.

 

A Vilma disse que estava tudo bem, que eu precisava mexer o quadril e gritar se tivesse vontade. Obedeci. Fiquei lá no chuveiro cantando nos intervalos e gritando durante as contrações.

 

Na verdade, eu já nem distinguia mais o que era contração, tudo doía o tempo todo! Experimentei ficar de cócoras durante as contrações, segurando nas mãos da Fátima, que cantava um mantra que falava da força da natureza.

 

Saí do chuveiro, sentei no vaso e de repente senti vontade de fazer força, um puxo. Nem acreditei! Parecia que o bebê estava descendo, finalmente!

 

Chamamos todo mundo e eu resolvi ficar no banheiro (estava dando certo, ia

ser ali mesmo). Eu me sentei na cadeirinha de parto e a vontade de fazer força era incontrolável. Tinha uma impressão horrível de que ia arrebentar tudo!

 

Eu senti perfeitamente o bebê entrar na bacia e girar. Continuava doendo muito, mas agora era diferente, estava nascendo, eu me sentia cheia de energia. A Vilma colocou minha mão e a do Fernando na cabecinha do bebê, já estava uma boa parte para fora, que bom!

 

De repente veio uma força grande e a parteira tentou me segurar para a cabeça sair mais devagar, mas não deu. A bebê saiu com tudo! De mãozinha na bochecha e circular de cordão.

 

O tempo parou! Peguei minha filha no colo de olhos abertos, chorando um pouquinho. Olhei para as pessoas, que estavam emocionadas, chorando.

Eu não sentia vontade de chorar, me sentia vitoriosa, poderosa, redimida.

 

Olhei para minha filha, uma menina nascida com a força da natureza, minha cura, que será um dia mulher e passará pela maravilhosa experiência de parir um filho. Assim como eu, minha mãe e minha avó parimos. Como todas as mulheres antes de nós fizeram.

 

Um ciclo se fechou e recomeçou hoje com o nascimento da Lis, nome que significa lírio, ao amanhecer, no início da primavera.

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