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Relato de parto de Analy Uriarte - nascimento a Bruna

 

O nascimento do seu primeiro filho por cesária, um parto que a deixou vazia. Ela decide resgatar para si seu próximo parto. Descobre que um VBAC (parto normal após cesária) é possível. E vai além. Quer que esse parto seja em casa.

Verdadeiro ou Falso?

 

• Se ocorrer uma ruptura uterina, você tem meia hora para fazer uma cesárea, de preferência em 17 minutos, para salvar o bebê.

 

• Um útero, com uma cesárea anterior, tem 1/333 chances de ter uma ruptura uterina.

 

• A ruptura uterina só acontece quando é usado algum tipo de acelerador de parto (prostaglandina ou ocitocina).

 

A princípio tudo verdadeiro.

 

Nos EUA, o Colégio de Ginecologia e Obstetrícia está recomendando que só se permita uma “tentativa” de parto normal depois de cesárea se houver uma equipe médica à disposição para realizar uma cesárea de emergência. Por causa disso, alguns hospitais não estão mais permitindo que se tente um parto normal depois de cesárea... eles fazem uma cesárea direto.

 

Meu Caminho

 

“O parto é seu… você é que vai dar à luz essa criança, não o médico.” Essa frase me assustava, ou pelo menos me deixava perplexa porque embora eu saiba que da minha primeira vez, há dois anos e meio atrás eu não havia me envolvido em nada, nem curso nós fizemos... minha natureza é de confiar num profissional. Eu confiei que a minha médica havia sido treinada para isso como eu havia sido para fazer arquitetura. Mas o buraco é mais embaixo, literalmente.

 

Não dá pra você desconfiar que dar à luz na nossa sociedade hoje tenha sido tão monstruosamente deturpado; que são usados medicamentos e processos sem saberem se são TOTALMENTE seguros... a mulher é cortada e manipulada por pessoas estranhas num momento dos mais íntimos... todas as mulheres, mesmo aquelas que são tão pudorosas que talvez nunca tenham ficado peladas num vestiário público. A verdade é que eu não quis desconfiar. E me vi com 3 horas de bolsa rota, atada a um monitor fetal, com nada de contrações, numa maca no São Luiz ouvindo da minha médica:

 

“Analy, vou te resolver já.” Ela olhava atentamente a fita do monitor fetal. Ela havia acabado de chegar lá e não lembro dela olhar pra mim, só pra fita. “Tá vendo as linhazinhas juntas aqui ... teu bebê está sofrendo...”

 

Ele nasceu às 6:30h daquele jeito: o anestesista enfiou a mão sob o lençol e ajudou a empurrá-lo pra fora pelo rasgo. Eu, crucificada, não toquei nele só vi aquele perfil familiar passar por mim com a testa franzida, bravo.

 

Depois ouvi que a cabeça dele era grande demais, mas não tanto, que as mulheres hoje em dia são sedentárias... que da próxima vez eu largo você esperando lá. E daí não quis ouvir mais.

 

O pediatra me contou seu lado: os benefícios de um parto vaginal para o bebê e eu comecei a ler sobre o efeito de cesárias em mulheres e crianças na internet e tive a certeza dentro de mim que havia sido roubada de muito... e mais, que havia permitido que roubassem meu filho de uma chegada mais honrosa e menos traumática neste mundo.

 

Isso é pessoal? Sim, mas há evidências científicas também... é só procurar. Nada vai justificar uma cesária feita assim como melhor para mãe ou filho.. só era melhor pra médica que saiu do hospital a tempo de atender o consultório, fazer ginástica, etc.

 

Só foi melhor para o hospital, que sabia quando a sala iria ficar livre.

 

Se virei a página... definitivamente não. Eu engravidei de novo e pedi indicação de médico para as Amigas do Parto... mandei e-mail para cada um contando o que eu queria e só um me respondeu. Foi ótima a resposta então marquei hora. Muito simpático conversamos muito os três, meu marido sempre um pouco revoltado com a história do primeiro parto. Ele sempre dizia “Eu tenho certeza que ela pode...” Como é que ele sabe, eu pensava.

 

Fui duas vezes, e desanimei... a episiotomia era necessária e nossa revolta só pareceu mais séria para ele quando meu marido esclareceu que o primeiro parto havia sido pago particular e não pelo seguro. Então era tudo questão de grana.

 

Fiquei alguns meses sem médico.

 

Aí resolvi escrever para Ana Cris, afinal ela havia “tentado”e conseguido um parto normal depois de cesárea e eu sabia que ela tinha uma noção clara do estado das coisas. Eu a tinha visto falar numa palestra das doulas em outubro. Pedi umas indicações e falei que o fator econômico havia pesado pois este ano parecia não haver engrenado. Ela me indicou um médico que ela apóia muito e que por uma feliz coincidência era do meu seguro. Fui 3 vezes. Da primeira, fiquei feliz em ouvir que ele não fazia episiotomia de rotina e que ruptura uterina não deveria ser minha preocupação maior porque embora ele falasse de condução de parto o que ele menos queria era enfiar uma agulha na minha veia.

 

Bom, tudo muito bom a não ser pelo fato de eu ter engordado 14 kg (sou baixinha) e isso era demais. Ainda faltava 2 meses e meio. Achei deprimente, expliquei que de certa forma engordar estava relacionado com conseguir engravidar para mim... eu só engravidei aos 34 anos.

 

Fiz o curso de gestantes com Ana Cris. Éramos só dois casais e foi uma conversa muito boa, muito esclarecedora. Tudo que eu havia lido na internet ao longo desses dois anos era colocado em perspectiva.

 

Decidimos que queríamos Ana Cris do nosso lado. Fui visitar o Santa Joana já que a ProMatre não aceitava mais doulas. Conversamos com a enfermeira obstetriz da admissão (a mesma que nos havia atendido na ProMatre) que nos garantiu que procedimentos como soro, ocitocina, anestesia, monitoramento fetal intermitente só eram feitos com ordem do meu médico e ratifiquei todas essas informações falando com a chefe das obstetrizes depois via telefone. Falei com a médica do berçário de plantão no dia e perguntei se meu parto fosse natural, se o bebê não precisaria ficar na observação e poderia ficar o tempo todo comigo. Ela disse que a princípio sim mas achou muito estranha a pergunta: esse período de observação era para mãe se recuperar da analgesia. “Mas, e se não houve analgesia?” Ela achou mais estranho ainda e justificou. “Aqui sempre há... mas tudo bem”. Ela não falou em nenhuma evidência científica de que o bebê deve ficar em observação por quatro horas, num berço aquecido, se esgoelando atrás de um vidro à prova de som... ou ainda dormindo drogado... E no entanto é isso que acontece... dependendo do profissional que está lá.

 

Apenas um exemplo da arbitrariedade por trás do tratamento dispensado a mães e filhos.

 

Segunda consulta conversamos mais, contei da visita ao Santa Joana, ele contou da necessidade de me cobrar como particular, para assistir a meu parto desde o início, afinal são muitas horas e ele tem que levar um assistente pro caso da coisa virar cesárea. Eu entendi, disse que veríamos com meu marido mas também disse que me sentia meio segura com o Santa Joana porque eles não poderiam fazer nada que ele não indicasse e a Ana Cris estaria lá com a gente.

 

Terceira consulta. “O que vocês decidiram?” “Ainda nada porque nossa situação financeira não se definiu!” Coisa de profissional liberal... como vocês vêem, a conversa gira toda em volta de grana e do meu peso, é claro. “Você engordou mais, o bebê é maior, se fosse cesárea eu não estaria preocupado, mas...”

 

Daí ele nos esclareceu que se ele fosse só pelo seguro ele não poderia se responsabilizar pelo que seria feito pelas obstetrizes... que elas poderiam até usar ocitocina porque elas estavam responsáveis por mim. Discuti que elas haviam dito que não...

 

Voltei para casa chorando.

 

Tinha 15 dias para voltar, falei com Ana Cris e ela foi tirar a limpo: “Parece que as enfermeiras tem sim um certo poder, mas não entendi por quê ele falou isso.” Ficamos todos sem entender e marquei hora com a Vilma Nishi, obstetriz

 

Minha cunhada

 

Eu assisti ao parto da minha cunhada há dois anos atrás, sete semanas depois da minha cesárea, que começou na Casa de Parto de Sapopemba e terminou no Amparo Maternal. Parto normal com ocitocina e muita dor. Hoje, ela está grávida de novo e optou por um parto unassisted... novamente seu filho vai nascer dois meses depois do meu. Nós conversamos muito. Ela, americana, na época achou a casa de parto perfeita para ter seu primeiro filho... não conseguia imaginar seu parto em hospital, não aceitava a idéia de ter que mudar de sala para o expulsivo ou mesmo depois que o bebê nasce. E mais, “parto não é doença”, ela me disse.

 

Minha Escolha

 

Considerando minha cesárea anterior, eu tentei de todo jeito driblar o sistema: ter parto em hospital sem correr o risco de ter uma nova cesárea. Não deu.

Não deu pra entrar em acordo com médicos, eles não acreditaram em mim.

 

Não deu pra confiar nas maternidades, elas não são de confiança.

 

Por causa da minha cunhada, parto em casa não era algo estranho para mim... só não achei que era para mim. Achei que devia tomar todas as precauções possíveis: estar num hospital, com um médico que pudesse fazer uma cesárea de emergência. De repente, tudo mudou. Conheci a Vilma, ela parecia segura, logo fez uma massagem e viu um ponto de tensão nas costas, me emprestou uma bola para fazer ginástica em casa, falou de que as duas últimas tentativas de parto normal depois de cesárea tinham ido parar em hospital, mas “as duas tinham uma história complicada...” Falou da história da mulher fazendo parte do seu parto! Se isso não é parto humanizado, não sei o que é. Voltei para casa contando para o meu marido (a primeira vez que ele não vai), que íamos fazer um parto em casa. Ele sorriu, achou legal e nunca duvidou que daria certo.

 

O Parto

 

Sexta-feira

 

Começam contrações às quatro da manhã, fracas, sem ritmo e assim passam o dia todo. Eu fico meio de alerta, mas sei que não tem nada realmente acontecendo. Havia perdido o tampão há cinco dias. No fim-da-tarde, as contrações aceleram e começo a anotar pra ver o que está acontecendo. Minha mãe, que veio de fora para ficar comigo, entra em pânico, a gente briga, meu marido não está e fica tudo um horror. Vilma chega às nove da noite e assegura que nada está acontecendo... “Talvez Domingo...” ela chuta. A gente volta e fala pra minha mãe e irmã que é para a semana que vem.

 

Sábado

 

Lua Nova, meu marido tinha certeza que iria ser nesta lua. Às quatro da manhã as contrações recomeçam me acordando. São de seis em seis minutos e muito mais fortes. Às cinco da tarde ligo para Vilma, ela afirma que ainda falta... “que daí a umas duas horas assim pode ser que começe”. Ligamos para Ana Cris, ela aparece lá pelas sete. Continuamos com banheira, e conversas e descubro que eu sou de gritar... Lá pelas onze Vilma aparece... ela achou que a gente que ia ligar de novo, a gente achou que ela ia aparecer lá pelas sete. Eu falei que queria que ela me examinasse... que queria ouvir um seis ou mais. Ela me mostrou dois dedos. Quê? “Uns quatro...”Eu ainda perguntei se era quatro ou três e meio. Ela confirmou o três e meio! Aí senti que eu ia ter que me esforçar mais. “As contrações não são fortes...” Vilma disse. Então vamos ter que ajudá-las pensei.

 

E foi o que eu fiz. Com a ajuda das duas mudei de posição, andei, e passei pelas contrações uma a uma até que começou a subir uma onda de dor no meio das minhas costas que me pegou totalmente desprevenida. Sabe aquele ponto da lordose no baixo das costas... era lá. E a dor era insuportável e me dominava a ponto de eu não conseguir ajudar meu útero se contraindo... ou pelo menos era isso que eu sentia... que eu tinha de ajudar meu útero a dilatar... pensar em coisas redondas com 9 a 10 cm.

 

A partir de agora, meu relato não é mais real: perdi a noção do tempo... da cronologia dos acontecimentos.

 

Domingo.

 

Novo exame, seis cm. “Analy, você está indo bem.”

Estávamos indo é todos madrugada adentro: minha mãe e irmã cuidando do meu filho de dois anos e meio que resolveu acordar à meia-noite. Vilma e Ana Cris cuidando de mim e do meu marido... de repente, é a Ana Cris que está fazendo meu filho dormir... a Vilma que desaparece e depois reaparece.

 

Minha mãe, depois de brigar com todos por deixarem a filha dela sofrer, senta do meu lado e me abraça durante umas quantas contrações. Ela senta no vaso sanitário e eu no bidê onde improvisamos uma cadeira de parto. Tenho a foto pra lembrar do momento... tem muito significado para mim.

 

Em algum momento resolvem que devemos dormir eu e meu marido (Estão todos loucos... dormir como?) mas deito e me cobrem e caio no sono... tempo depois, acordo gritando de dor (EU GRITEI MUITO). Aquela dor que eu falei no meio das costas... voltei ao trabalho: dilatação.

 

Passei muito tempo na banheira e a água esfriou e o aquecedor não dava mais conta. Vilma e Ana Cris subiam e desciam (moro em sobrado) com panelas de água quente... eu já estava noutra mas lembro de pensar. Parece filme... o bebê vai nascer e alguém corre para a cozinha ferver água.

 

Sei que uma hora Vilma me examinou: 9! Já era manhã. A janela estava aberta e o sol entrava direto no meu quarto. Acho que eu estava ajoelhada e com a cabeça apoiada na cama do meu filho.

 

Agora só faltava o expulsivo.

 

E perguntei para Ana Cris: “Você não disse que o expulsivo era mais fácil?”

 

“Para algumas mulheres.” ela respondeu

 

Obviamente não para mim. Eu agora fazia força a cada contração... força para baixo mas sem saber muito bem aonde... fiz muita força.

 

Mas aquela dor no meio das costas só piorava... segundo a Vilma, era uma dor minha, não de parto... o que eu sei é que era minha dor de parto e eu teria de superá-la. O bebê estava encaixado, mas não descia. Passei muitas horas no vaso. Lembro de me apoiar sobre Ana Cris, já não dava mais pra ficar sozinha quando vinha a dor. Eu pedia: “alguém, uma mão... (para apertar)” Minha voz era um sussurro, mas os gritos continuavam. Perguntei a ela se já era tarde para anestesia... ela confirmou. Eu tinha medo de estar tentando fazer o impossível... minhas contrações não eram fortes o bastante? Duvidei de mim.

 

Lembro de me apoiar sobre meu marido e encostar meu rosto na barba sem fazer dele. Ele falava tantas palavras de apoio... ele parecia tão certo que tudo ia bem, que com ele eu sei que peguei as melhores ondas de dor e fiz força pra valer. Mas se me distraísse, se não pegasse a onda no momento certo... ela me dominava e parecia sem fim.

 

Vilma continuava orquestrando tudo... ela tentou aliviar minha dor com massagem com óleo e lavanda, ela tentou soltar meu quadril e me explicou que eu precisava superar essa dor para a Bruna passar... a cabeça agora fazia muita pressão nas costas. Perguntei se ela já havia passado por outra como eu. “Sim.” ela respondeu... e o que aconteceu? “Nasceu.”

 

Talvez porque eu travei com tanta dor as contrações foram se espaçando, reduzindo em intensidade só sobrando a maldita dor no meio das costas até que lá pelo meio dia... parou. Tudo parou.

 

E agora?

 

Acho que vi desespero na cara de todos... vou andar, pensei, que elas voltam. Sugeriram gotas de pulsatilla e também romper a bolsa. Topei tudo, fizemos tudo.

 

Eventualmente voltaram e eu deitei de lado na cama e continuei fazendo força. Uma hora me pediram para ficar de costas e a dor no meio das costas voltou, insuportável, eu havia esquecido dela, nem havia percebido que ela sumira. Fiquei de lado, nem tentei de cócoras, tinha medo de qualquer coisa que fosse simétrica, que jogasse a dor para o meio das costas. Fiz mais força. Lembro de todos falarem que estava quase muitas vezes e nada. Depois ouvi a Vilma falar “ela vai lacerar toda!”e decidir fazer um pequeno corte. Foi então que Ana Cris foi chamar minha mãe e irmã para verem nascer... e não deu tempo, Bruna já tinha nascido e aí tudo parou, mesmo. Eram 14:00h do domingo.

 

Se não fosse pela garra da Ana Cris eu não teria acreditado que esta poderia ser uma solução para mim... ela foi nossa primeira escolha. Se não fosse a calma e segurança da Vilma não teria dado certo, os poucos instantes de dúvida se dissiparam tão rapidamente que não deixaram marcas. Se não fosse pela minha mãe e irmã estarem aqui, mesmo achando que era tudo loucura (minha mãe teve 4 partos rápidos) não teria a tranquilidade em relação ao meu filho que tive. E sentir minha mãe lá do meu lado, embora ela estivesse com muito medo por mim, foi bom.

 

Se não estivesse em casa rodeada de mulheres, sem medo de gritar e fazer força, sem medo de que alguém fosse sugerir uma cesárea, sabendo que todos ali acreditam na minha capacidade de dar à luz, não teria sido tão bom. Se não fosse pela minha cunhada, que sempre acreditou em parto em casa, não teria sido tão fácil para eu tomar esse caminho. Se não fosse pelo meu marido acreditar infinitamente em mim, não teria sido tão gratificante. E se não fosse Deus sorrir para todos nós aquele dia, não teríamos sido tão felizes.

E vocês sabem da maior? A gente nunca procurou o telefone de emergência da maternidade mais próxima.

 

Analy Uriarte 

São Paulo- SP

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