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Relato de Parto de Andrea Carvalho - Nascimento do Ian

 

Sobre as emoções de dar à luz um bebê especial, que nasceu pélvico (sentado) e tem uma síndrome rara.

Tudo começou no dia em que minha vida mudou... aquela segunda-feira em que me decidi a fazer o Beta, só pra ter a confirmação de algo que no fundo sabia ser líquido e certo: estava grávida... naquele momento eu só sabia chorar e me desesperar.... estava grávida de meu namorado, com quem eu tinha acabado de reatar, desempregado, mais novo que eu e de quem meus pais não gostavam! Passei uma semana assim, sem saber o que fazer, mas no fundo sabendo: sempre fui contra abortos e ia ter o bebê, custasse o que custasse... com o apoio do Ro, contei aos meus pais... com a minha mãe foi pior, demorou para que ela engolisse a história, mas aos poucos a situação foi mudando.... e hoje ela é louca pelo Ian.

 

Passada essa fase, a seguinte foi lidar com minhas emoções, que estavam à flor da pele... me sentia feia, gorda, horrorosa... minha barriga custou a aparecer, sempre foi pequena, parecia mesmo q estava acima do peso... isso mexeu demais com minha cabeça. Eu, sempre preocupada com a forma, rata de academia, sempre bonita e bronzeada, agora “gorda”, com o cabelo tricolor (só fui tingi-lo no quinto mês), sempre cansada e sem disposição para nada. Chorava até na novela! Tinha crises emocionais sem fim. Auto-estima? O que é isso?

 

Demorou um pouco para a minha ficha cair, eu mesma estava tentando me dizer que algo estava errado, faltava alguma coisa. Com minha sede de saber, de informações, passei a vasculhar a net em busca de algo. O quê? Algo que me completasse, me “curasse”.

 

E foi assim q descobri os blogs e um fórum de discussão de grávidas em um site sobre bebês. Foi só a ponta do iceberg!

 

Passei a conversar com as grávidas sobre dúvidas, dicas de beleza, etc., criei um blog e conheci várias pessoas por meio dele. Ávida por mais e mais, foi numa simples mensagem que achei o que eu queria, lembro-me como se fosse hoje. Foi no fórum. Uma mulher conversava com outra sobre tipos de parto e uma delas disse que “queria porque queria cesárea e nenhuma xiita de parto natural humanizado ia fazê-la mudar de idéia”. Isso me acendeu: parto natural humanizado? Como assim? Do que ela estava falando? Busquei a net, minha melhor amiga nessa hora, e passei a devorar cada artigo, cada reportagem, cada relato de parto, até que cheguei na Ana Cris.

 

Nessa época, uma coisa eu já sabia: a médica que estava fazendo meu pré-natal (indicação de uma amiga) com certeza não iria fazer meu parto. Eu já até havia “fugido” dela, não agüentava mais ficar 2 horas no consultório para ser atendida e ela nem saber quem eu era. A única coisa que ela me dizia era: não coma frituras, refrigerantes e doces (apesar de eu dizer toda vez que não gostava disso). O Ro dizia que ela parecia estar atendendo gado.

 

Minhas conversas com a Ana Cris, no início, foram sobre uma indicação de médico do convênio em quem eu pudesse confiar para fazer um parto normal. Mudei de médico e, finalmente, depois de um bom período de turbulências, entrei para a lista de discussão Materna e conheci muitas amigas fiéis e companheiras para tudo.

 

Mas a minha alegria durou pouco.

 

A primeira surpresa veio com o ultra-som de 32 semanas: o bebê estava sentado, pélvico.

 

Todos me diziam que havia tempo para ele virar, para eu não me preocupar, mas acho que coração de mãe sabe muito mais. Minha preocupação aumentava a cada semana, de repente eu via todo aquele sonho que eu havia construído de ter um parto normal ruir como um castelo de areia. Até que a Débora conversou comigo. Eu não a conhecia direito, não sabia o que havia acontecido com ela, não sabia que havia a possibilidade de se fazer um parto normal pélvico. Depois que falei com ela, uma paz me invadiu como um bálsamo. Eu sabia que era possível, não com o meu médico, mas era possível. Primeiro eu ia tentar tudo para ajudar o bebê a virar, todas as noites, quando chegava do trabalho, eu deitava na cama, colocava o quadril em cima de um monte de travesseiros e fazia massagem, conversava com o Ian, pedia para ele dar a cambalhota, fazia promessa para santo, reza brava... tudo em vão. Passei a tomar um remédio homeopático, até de ponta-cabeça eu ficava e nada!

 

A segunda surpresa veio em outubro, logo após o feriado, quando levei o maior susto da minha vida: fiquei três dias sem sentir o bebê se mexer. Por conselho da Ana Cris, fui fazer uma cardiotocografia, cujo resultado, na avaliação dos médicos de plantão, não era satisfatório. Meu médico foi contatado e resolveram me internar para fazer investigações. Nessa época, eu estava de 35 semanas. O medo foi tomando conta de mim como se fosse uma capa me abraçando apertado. Fiz uma bateria de exames que não tinha fim, e no dia seguinte me colocaram em jejum. Aí sim, eu entrei em pânico. Não queria de jeito nenhum que me fizessem uma cesárea com 35 semanas. A imagem de meu bebê cheio de tubos numa incubadora na UTI me perseguia como o pior pesadelo e algo me dizia que eu não deveria concordar com aquilo, todos os meus instintos gritavam que, apesar dos resultados dos exames, aquilo estava errado. Tudo o que eu queria era sair daquele hospital, ter a chance de consultar uma segunda opinião.

 

Naquele dia eu chorei desesperadamente. A única pessoa que me apoiou naquele momento foi o Ro (além da Ana Cris, que me ligava diariamente e teria feito um resgate relâmpago, se preciso). Meus pais diziam que eu estava louca, fora de mim, que o médico é que sabia o que estava fazendo e que eles fariam qualquer coisa para me manter no hospital, na marra. Cheguei até a me questionar: será q eu estava sendo egoísta, em querer o parto com que EU havia sonhado, em prejuízo do bebê? Implorei a Deus que me ajudasse e Ele me ajudou. Três dias depois eu tive alta com observação. O médico queria esperar até a 37ª semana para fazer a cesárea.

 

Abracei a chance e fui correndo buscar a avaliação do Dr. Jorge, uma pessoa abençoada, um anjo em forma de médico que me disse que eu podia ir até o fim da gestação. Não tenho como traduzir o alívio e a paz q eu senti. Aliás, o Dr. Jorge tem esse dom, de fazer com que as pessoas se sintam especiais, amadas, e de passar tranqüilidade.

 

Saí da consulta renovada, com as baterias recarregadas. Troquei de médico definitivamente e passamos a nos preocupar em tentar ajudar o Ian a virar. Fui fazer mocha, a acupuntura especial para isso, em que se usa um bastão (tipo incenso) aceso aquecendo o dedinho do pé (uma das piores dores da minha vida). Cheguei lá tão esperançosa.... Lembro-me de estar deitada na maca, sentindo as agulhas e a queimação, e rezar a Deus para ajudar o Ianzinho, eu agüentava o tranco. Mas não foi assim, ele não virou. Saí de lá arrasada, destruída. Chorei muito, de puro desespero. Lembro-me de chegar no escritório e enviar uma mensagem para a lista de discussão virtual, que me consolou naquele dia.

 

Depois disso eu tive a certeza, no meu coração, de que o Ian não ia virar, não importando o que eu fizesse, que deveria ser assim. O Dr. Jorge havia sido bem claro: o parto era possível, mas a qualquer momento poderia reverter numa cesárea. Mas pelo menos eu teria a chance de tentar.

 

Foi aí que, na minha última semana de trabalho antes de entrar de licença, a Ana Cris me passou um e-mail, superempolgada, dizendo que havia conhecido uma parteira que tinha exercícios que eram “tiro e queda” para virar bebê, mas que eu precisava ficar dois dias em casa. Topei. Foram dois dias de muito exercício, engatinhar no chão (meus joelhos ralaram), quadril para cima, etc.

 

Resultado? Nadica de nada. Eu já estava de 40 semanas.

 

Q que eu ia fazer? Meu filho queria nascer de bunda pro mundo!

 

Mas a Ana Cris ficou preocupada.... aí ela entendeu o que eu queria dizer nas minhas mensagens preocupadas sobre o bebê não mexer muito. Ela massageava a barriga pra lá e pra cá e o Ian nem aí. Então, o Dr. Jorge pediu exames. Fui fazer mais uma cardiotocografia e um ultra-som just in case.

 

Os resultados não eram muito animadores. A essa altura, já sabíamos que havia algo errado, mas não sabíamos precisar exatamente o quê. Chorei na consulta, o Dr. Jorge me perguntou o que eu queria fazer: esperar ou ir para a cirurgia. Perguntei a ele: o que a sua intuição lhe diz? Ele respondeu: vamos esperar mais um pouco. Eu também queria esperar.

 

Nunca vou me esquecer desse dia. Era uma quinta-feira. Sou espírita e, como estava abalada, resolvi ir ao centro para me acalmar, buscar paz de espírito. A palestra era justamente sobre bebês excepcionais e bebês que morrem ao nascer. Ninguém pode avaliar o que eu senti naquele momento. Fragilizada como estava, desatei a chorar copiosamente, o Ro ao meu lado me abraçando.... tive a certeza de que havia algo errado com o Ian.

 

Chorei aquela noite toda.... as pessoas me diziam que era apenas coincidência, mas eu não acredito em coincidências. Tudo tem motivo e razão de ser.

 

Passado o desespero, resolvi me acalmar e aceitar o destino que Deus enviou para mim... esse bebê foi confiado aos meus cuidados porque eu sou capaz de criá-lo e porque essa é a minha missão. Ele depende de mim e eu iria dar o melhor de mim pra ele.

 

E passaram as 40 semanas, entrei na 41ª e nada. Foi aí que minhas amigas queridas fizeram uma corrente superlegal de energia positiva, acendendo uma vela azul até o nascimento do Ian. Isso significou tanto para mim, num momento superdelicado da minha vida.

 

Na quarta-feira seguinte, tudo começou.

 

Fui ao hospital para fazer mais uma cardiotocografia e ela acusou que eu já estava tendo contrações de 10 em 10 minutos, apesar de ainda não estar sentindo nada. No fim da tarde comecei a sentir as coliquinhas, de 5 em 5 minutos, e me animei: algo havia começado! O Ro alugou uns filmes e ficamos matando o tempo. As contrações foram aumentando de intensidade durante a noite e por volta da meia-noite eu vi que não ia dar para dormir, estava ficando beeem dolorido. Fui para a sala para deixar o Ro dormir um pouco, a cada contração eu abaixava no chão e me debruçava no sofá, abafando os gemidos. Nos intervalos entre elas eu ia ao banheiro limpar totalmente o intestino (e como ficou limpo!!!!) e perdia junto um pedaço do tampão (aliás, haja tampão!). Às 5:30 eu não agüentei mais e acordei o Ro, decidimos chamar a Ana Cris.

 

Eu ainda estava num misto de euforia e ansiedade: meu Ianzinho estava a caminho. Eu ia para o espelho ver como a barriga se comportava e ficava admirada de vê-la abaixar. Enfim a Ana Cris chegou, as contrações começaram a ficar punks, e as massagens começaram. Sentei na bola, o Ro começou a marcar os intervalos entre as contrações e eu comecei a xingar a dor. A Ana Cris sugeriu um banho. Dentro do chuveiro as contrações começaram a ficar mais suportáveis e eu pensei: “nossa, banho é tudo de bom mesmo!”.

 

Mas o que aconteceu foi outra coisa: as contrações pararam. Simplesmente pararam!!! Não tem como relatar o quanto eu fiquei frustrada!!!! Como assim, eu passo a noite em claro sentindo dor, tudo evolui como eu tinha lido e relido nas mensagens e de repente pára tudo, como se tivesse desligado um botão? Ai, que ódio! Mas hoje eu penso o quanto isso foi bom para mim, esse break me deu a chance de descansar e recuperar as energias. Mas na hora eu não queria isso, eu queria a dor, eu queria meu bebê, eu queria que aquilo acabasse logo, eu estava preocupada com o bebê.

 

Depois disso, aquela quinta-feira foi supermonótona, com algumas contrações leves, que vinham às vezes em 20 minutos, às vezes em 1 hora. A noite foi a mesma coisa, consegui até dormir um pouco, só acordava quando vinha uma contração, mas sempre irregulares. Na sexta de manhã o Dr. Jorge me ligou dizendo que tinha um compromisso no fim da tarde ao qual ele não podia deixar de ir e qualquer coisa eu deveria ligar dizendo se ele podia tomar uma ou três cervejas. Disse a ele para ir tranqüilo, que pelo andar da carruagem a coisa não ia ser assim tão rápida. Ledo engano.

 

Depois do almoço, decidi que a casa podia ficar mais arrumada, catei o Ro e resolvi fazer uma faxina geral, daquelas de lavar a cozinha, banheiro, área, de cabo a rabo. Enquanto limpávamos tudo, lá pelas 3 da tarde, as contrações voltaram a ficar regulares e ainda estavam suportáveis. Quando eram 5 horas eu liguei para a Ana Cris para avisar que elas estavam regulares e ela ficou meio preocupada – era sexta-feira, estávamos em SP, era dia do rodízio do carro dela, hora do rush. Ela já ia ligar para o marido dela e pedir o carro dele. Lembro-me de dizer: relaxa, AC, o negócio aqui vai demorar, começou a doer um pouquinho de nada só agora. Ahahahahaha... Às 6 da tarde o Ro já estava ligando para ela desesperado, de 10 em 10 minutos, porque eu estava gritando que nem louca sem parar. Foi incrível a evolução rápida das contrações, a intensidade da dor aumentando geometricamente a cada intervalo.

 

Como da primeira vez a evolução havia sido lenta, aquilo começou a me assustar. Acho que o Ro leu aquilo nos meus olhos, pois de repente ele começou a ficar meio desesperado. Aliás, ele me surpreendeu, eu achava que ele não ia participar ativamente, mas ele resolveu assumir um papel de “doulo” enquanto a AC tentava atravessar a Dr. Arnaldo e a Paulista na sexta às 6 da tarde. Fazia massagem em mim com o óleo que a AC havia deixado em casa (aliás, ele acabou com quase o vidro todo) e nos intervalos pegava as últimas coisas para a mala do Ian e ligava para a AC para saber onde ela estava.

 

Foi uma espera interminável. A dor estava tão forte que eu gritava num travesseiro para abafar os gritos, ajoelhada no chão, debruçada sobre a cama. O Ro parecia uma barata tonta correndo de um lado para o outro, me ajudando. Aí finalmente a AC chegou. Esperei uma contração para sair de casa, só conseguia pensar: só faltava encontrar alguém no hall, o elevador chegou e o Ro ainda dentro de casa pegando coisas, eu lá fora gritando: “vamos logo que tá fodaaaaaaaaaaaaaaa” e ainda me lembrei do relato da Val, quando ela encontrou um vizinho no elevador e teve uma contração... só me faltava essa. Milagrosamente o dito cujo estava vazio e não tive nenhuma contração lá dentro, só lá fora.

 

Entramos no carro com a AC e vi que foi melhor mesmo esperá-la chegar, pois o Ro não tinha condições de dirigir, além do fato de que eu não queria chegar sozinha com bebê pélvico no raio do hospital. A viagem, que normalmente dura não mais que 5 minutos, pareceu eterna. Eu fiquei ajoelhada no banco de trás, debruçada sobre o encosto, em cima do meu travesseiro – aquele meu companheiro de gritos –, olhando os outros carros e o congestionamento. Foi até hilário, uma moça no carro de trás ficou olhando pra mim com aquela cara “o que essa louca está fazendo sentada desse jeito?”. Quando veio uma contração, eu gritei e enfiei a cabeça no travesseiro, a cara da mulher foi impagável, não sei o que ela pensou.

 

Enfim chegamos no hospital Santa Catarina, com uma entrada triunfal: imaginem que eu tive uma contração punk da punk bem no meio do saguão do hospital, lotado de familiares esperando os bebês de cesárea nascerem, afinal era uma sexta-feira, dia nacional da cesárea. Detalhe: eu estava com um vestidinho de praia, descalça (perdi o chinelo numa contração dentro do carro) e com o rabo-de-cavalo meio descabelado e agarrada no travesseiro. Foi lindo! Entrei no elevador tendo contração, saí dele tendo contração, fiquei esperando a porta do centro obstétrico abrir tendo contração, todo mundo me olhando. Quiseram me por na cadeira de rodas e após um sonoro não, desistiram.

 

E cadê o Dr. Jorge?

 

Dr. Jorge tinha ido àquele compromisso, a que ele tinha que ir de qualquer jeito quando a coisa começou a esquentar. Parecia que ele já tinha tido um pressentimento. A Ana Cris, desesperada, já tinha ligado para todo mundo: Dra. Andréa, Vilma e ainda estava pensando quem poderia chamar para fazer parto pélvico. Mas graças a Deus Dr. Jorge estava perto e a caminho. Eu realmente não estava preocupada com isso, sabia que ia dar tempo.

 

Quando entrei no raio do centro obstétrico, a chata da enfermeira quis fazer o exame de toque e a cada grito de contração que eu dava, me debruçando no chão (ficar de quatro era a única posição que eu tolerava), ela me olhava com aquela cara de “ai, coitada, para que tanto sofrimento?”. Ela fez a porra do toque e constatou que eu estava com 5 cm. Eu pensei: “só isso, depois de tanta dor?”. Eram umas 8h da noite, esta prometia ser longa. Aí ela começou com aquelas perguntas intermináveis para a internação, ai que ódio, eu queria matá-la, jogá-la na Av. Paulista, mandá-la tomar no cu, porque eu queria ficar sozinha com a minha dor e ter meu filho. Finalmente acabaram as perguntas e fomos para a sala de parto. A coisa estava feia, minhas contrações estavam extremamente dolorosas, duravam muito tempo e o intervalo entre elas era de 1 a 2 segundos no máximo. Aquilo estava me exaurindo e eu não conseguia respirar direito. O dia estava muito quente e não havia ar condicionado na sala por causa do bebê. A Ana Cris sugeriu um banho, mas foi horrível, além de não respirar, eu queria ficar dobrada no chão com meu travesseiro. E foi o que fiz, na cama. A Ana Cris queria que eu ficasse de cócoras, tentei, veio uma ultra-hiper-super-punk, gritei feito louca (acho q estourei os tímpanos da Ana Cris) e ouvi um “plock”. Disse isso para a Ana Cris: “teve um plock” – e vimos que a bolsa tinha estourado, cheia de mecônio... bem no pé da Ana Cris!

 

A partir daí só piorou, eu não conseguia pensar em nada, só sentia a dor, gritava: “cadê o Ro, eu quero o Roooooooooooooooo, merda de internação, eu quero eleeeeeeeeeeeeee”.

 

Juro q queria ser como aquelas que entram dentro de si mesmas, que controlam a respiração para evitar dor, mas eu não pensava, não vou mentir, a única coisa que eu fazia era gritar e gritar e gritar.

 

Então o Dr. Jorge chegou, graças a Deus.

 

A essa altura eu estava de quatro no chão, debruçada sobre a poltrona, o Ro chegou e fiz com que ele se sentasse na poltrona, fiquei debruçada sobre ele, que me disse palavras encorajadoras, fiquei mais aliviada. Sentia vontade de empurrar, eu empurrava, gritava, gritava de novo, e mais uma vez. Pensava “caralho, como demora” e gritava: “tô ficando cansada, sem força, não vou conseguir, Deus, me ajudaaaaaaaaaaaaa”.

 

As enfermeiras queriam que o Ro se levantasse dali para se paramentar, para mim isso era demais, eu disse (gritei) “daqui ele não sai”! Funcionou, porque elas trouxeram apenas a blusa e ele trocou ali mesmo, sentado enquanto eu gritava no colo dele (mais tarde ele me disse que ficou com medo de que eu mordesse suas bolas, pode?).

 

O Ro dizia sem parar: “deixa ele vir, deixa ele vir” e a minha vontade era gritar: “porra, para de falar isso, ninguém mais do que eu quer que ele venha”.

 

De repente, houve uma movimentação atrás de mim. Dava para ver a bundinha dele, foi a única coisa que eu me lembro de ouvir, e fiz mais força ainda. Saíram a bunda, as perninhas e o tronco, pude ver de relance. O Dr. Jorge mandou que eu ficasse de cócoras para fazer a manobra para tirar a cabeça, eu não queria, estava tão bem ali de quatro, estava exausta, me pegaram na marra, o Ro e a Ana Cris, cada um de um lado, e eu tirei forças sei lá de onde para empurrar pela última vez. A dor tinha mudado para uma queimação terrível, mas aí meu anjo nasceu. Fui colocada no chão, em cima dos campos cirúrgicos, no que mais parecia um sonho, e meu Ianzinho veio para o meu colo. Tão pequeno, dormindo, era tanta felicidade, eu ria muito, o Ro chorava e dizia que ele se parecia comigo. Eu olhava para o Ro e dizia: “olha nosso filho, que lindo”, ele chorava sem parar, emocionado. Cortou o cordão umbilical ainda chorando e eu só queria abraçar meu filhinho. Nesse momento ele foi tirado de mim, já havia algo errado, eu estava embriagada pela felicidade e pelos hormônios e não havia percebido que o bebê estava mole demais, havia atribuído isso ao fato de ele estar dormindo, exausto pelo TP. Fui para a cama e logo depois me trouxeram o Ian embrulhado nos lençóis, tão pequeno e indefeso, e me disseram que ele havia nascido às 21h30. Eu, que havia perdido completamente a noção de tempo, me surpreendi com a rapidez daquilo tudo, porque para mim estava durando uma eternidade. Levaram meu pequeno de novo, para o pediatra avaliar no berçário, disseram que dentro de 2 horas ele desceria para o quarto. Eu não sabia que aquela tinha sido a última vez que eu ficaria com ele nas horas seguintes, ainda estava me deliciando com a sensação de felicidade. Afinal, eu tinha conseguido parir!

 

Desci para o quarto na cadeira de rodas (recusei-me a deitar na maca, eu queria andar, mas não deixaram), ainda transbordando alegria, ficamos todos conversando, até que eu fiquei sozinha (até o Ro saiu, para comemorar com um amigo, nunca vou perdoá-lo por isso, depois de tanto apoio e suporte ele me deixa assim, sozinha). Tomei um banho, fiz escova no cabelo, me arrumei toda para receber meu pequeno, escrevi as lembrancinhas, quando ligaram do berçário pedindo que eu fosse até lá. Quando cheguei lá, sozinha, o pediatra me disse que o Ian seria transferido para a UTI por estar com hipoglicemia, ele precisava tomar soro. Disse-me também que havia uma má-formação no queixo que poderia atrapalhar a sucção. Deixaram-me vê-lo um pouco, antes de levá-lo, e eu nem pude segurá-lo direito (ainda choro agora ao me lembrar disso). Desci para o quarto, sozinha, sem conseguir dormir, rolei na cama sem parar, não conseguia prestar atenção em TV nem em nada, queria o abraço de alguém, queria ser consolada, queria que alguém me dissesse que tudo ficaria bem.

 

Mas não havia ninguém. Chorei e chorei e chorei.

 

A gestação e tudo que houve passavam na minha frente como se fosse um filme. E chorei novamente.

 

A manhã chegou, e com ela o Ro. Fomos à UTI ver o pequeno, ele estava com um hematoma na testa, onde tentaram pegar uma veia, com o soro na mãozinha, oxímetro ligado no pezinho e uma sonda no nariz. Não agüentei e chorei novamente, muito, e aí o médico falou pela primeira vez sobre ele ter um problema sério. Falou sobre a hipotonia, sobre chamar um geneticista, sobre a incapacidade de sucção. Previsão de alta? Não havia.

 

O mundo desabou para mim.

 

Eu ia e vinha pelo corredor do hospital, do quarto para a UTI e vice-versa, vendo todos aqueles enfeites de porta, ouvindo o choro gostoso dos bebezinhos, cruzando com as auxiliares levando e trazendo os bebês para os quartos e sempre pensava: “eu daria tudo o que tenho, minha vida, meu parto natural, qualquer coisa para ter meu bebê comigo, saudável, nesta hora”.

 

O dia da minha alta chegou e foi com certeza o pior dia da minha vida. Nenhuma mãe deveria ter q passar por isso, ter que ir embora e deixar seu bebê numa UTI. Quando cheguei em casa, sentei no chão da sala com o Ro, olhamos as coisas dele e choramos juntos até não poder mais. Não tem como descrever essa sensação.

 

Mas graças a Deus ele estava vivo.

 

Juntei os pedaços e voltei para o hospital, onde praticamente eu moraria pelos 29 dias seguintes. Eu chegava às 7 da manhã e ia embora às 11 da noite arrastada, sempre chorando no caminho até em casa. Ir embora era uma tortura, sonhava com o dia em que ia poder finamente levá-lo para casa.

 

Ele era examinado a todo instante: tomografia, ultra-som de crânio e abdômen, teste do pezinho master, etc., etc., etc.

 

Entrei na rotina do hospital: tirar leite, estimular a sucção do bebê nas mamadas, segurar a seringa com leite na sonda, almoçar, ficar com ele no colo conversando e cantando, dormir com ele de puro cansaço.

 

Até que um dia um pediatra excelente desconfiou que o problema dele poderia ser uma doença genética rara, chamada Síndrome de Prader-Willi. Foram solicitados os exames necessários, que a Ana Cris, abençoada seja, conseguiu de graça para nós na USP, no Projeto Genoma. Eu preferi não buscar informações sobre a doença, mas muitas pessoas resolveram me falar sobre ela, e eu já sabia o que esperar, não tão a fundo, mas o principal eu já sabia. Alguns dias depois (muitos dias), veio a confirmação: meu Ian tinha PW. Chorei tanto! Eu, que achava que não tinha mais lágrimas, chorei pias, piscinas, banheiras, rios e oceanos pelo meu filho, que passaria por tanto sofrimento... Queria que Deus mandasse essa prova para mim, mas o liberasse de sofrer. Porém, isso não é possível, cada um tem sua missão na terra e a minha era ajudá-lo. Juntei meus cacos, ergui a cabeça e fiquei forte novamente. Eu ia fazer das tripas coração para que a vida de meu filho fosse feliz.

 

Eis q finalmente o dia tão sonhado chegou: a alta do meu anjinho, como presente de Papai Noel, pois aconteceu no dia 25 de dezembro. Foi também uma pressão da minha parte, pois os 30 dias cobertos pelo convênio estavam chegando ao fim e eu não teria como arcar com os custos do hospital. O Ian já recebera alta do oxímetro, o principal impedimento para a alta até então, e conversando com o pediatra, expondo esse problema, eu o convenci que poderia muito bem lidar com a sonda alimentar sozinha em casa, se me ensinassem como colocá-la corretamente. Ele concordou e eu quase explodi de tanta felicidade. Esse dia vai ficar na minha memória para sempre.

 

Minhas amigas queridas (da lista Materna) estavam sempre me apoiando, sempre junto a mim de alguma forma. Se não fossem elas, eu não teria conseguido tanta força. Agradeço de coração a todas, que foram me visitar no hospital, mandaram roupinhas para o Ian, deram apoio financeiro e emocional. Não tenho palavras suficientes para agradecer a todas elas, que nos ajudaram, pessoas que mal conheciam pessoalmente, de uma maneira tão humana...

 

Obrigada, que Deus lhes dê em dobro. Desejo também que um dia eu mesma possa retribuir o bem que elas nos fizeram.

 

E agradeço demais à equipe que me assistiu antes, durante e depois do parto, Dr. Jorge e Ana Cris, obrigada por terem acreditado em mim e no bebê, obrigada por ajudarem a trazer meu filho ao mundo, obrigada pelo apoio emocional. Tenho uma dívida de vida com vocês, a vida do meu Ian, pois com certeza ele não teria se recuperado da mesma maneira, talvez sequer tivesse vivido, se ele tivesse nascido de cesárea com 37 semanas.

 

Amo todos vocês.

 

Que Deus abençoe suas vidas com muita saúde e alegrias. Que cada vez mais vocês possam trazer felicidade às pessoas, a mesma felicidade que eu sinto quando abraço meu Ian apertado no peito.

 

 

Andrea Carvalho

São Paulo - SP

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