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Debora Regina, nascimento do João Felipe

Parto natural do segundo filho, no chuveiro de casa.

 

Tudo começou após o meu primeiro parto. O nascimento do Pedro Gabriel foi, para mim, uma experiência transformadora, funcionou como uma catálise para que viesse à tona uma mulher que estava adormecida em mim. Após o parto senti que nascia também uma nova Debora, mais forte, mais madura, mais feliz.

 

O Marcos, meu marido, também foi afetado pela visão do parto, ele, que já era um companheiro maravilhoso, ficou muito mais próximo a mim, parece que ele teve uma compreensão do que é a alma feminina. Estávamos mais unidos do que nunca, afinal, havíamos vencido uma batalha de titãs para ter o parto normal do Pedro Gabriel e eu havia conquistado o direito de parir, contrariando toda uma sociedade que, por estar desconectada da natureza, acredita apenas na tecnologia e em padrões estabelecidos e esquece-se do ser humano.

 

Pedro Gabriel nasceu de parto natural, pélvico, de bunda para a lua.

Adorei parir, adorei ser mãe, tanto que, um ano depois, estava grávida novamente.

Da minha primeira experiência só tinha ficado um ponto negativo: a chatice que é um hospital. Dessa vez eu estava determinada a ter meu filho em casa.

 

Assim como da primeira vez, eu tive uma gestação super tranqüila. Nada de enjôos, nada de inchaços, engordei pouco, uma beleza. Não fiz ultras nem tomei vitaminas. Eu e o Má decidimos que não queríamos saber o sexo do bebê, seria uma surpresa.

 

Mas, se não tivesse emoção nessa gravidez eu não me chamaria Debora, a mulher que contraria as indicações de cesárea. Com 35 semanas senti que havia alguma coisa vazando, minha calcinha ficava molhada. Não era xixi, não era corrimento; era líquido amniótico, eu devia estar com uma ruptura de bolsa. Na hora pensei: “P*Q*P*, nada pode ser fácil para mim!”

 

Liguei para o Dr. Jorge e para a Ana Cris, que disse que poderia ser um “furinho” na bolsa e que ela sabia de casos em que fechava (eu confiei nas palavras dela, mentalizei e desejei profundamente que o meu “furo” iria fechar). Não queria ir para um hospital de jeito nenhum. A essa altura eu já tava querendo brigar com Deus: “Why me?” Ele deve ter respondido: “Por que senão não teria graça! Eu brinco com vc para testar seu empoderamento e seu bom humor.” E não é que, depois de 3 dias, o vazamento parou? Não, ainda não foi dessa vez.

 

Então, num domingo depois do almoço eu comecei a sentir contrações mais fortinhas, eu estava prestes a completar 38 semanas. Eu e o Marcos monitoramos para ver se havia uma regularidade: estavam vindo de 15 em 15 minutos. “Acho que estou entrando em TP” – falei. Então resolvemos avisar a doula que estava num parto. Combinamos que ela viria em casa à noite.

 

Liguei para minha mãe, eu queria que ela estivesse presente no meu parto. Ela é uma pessoa maravilhosa, conectada com a natureza, nossa relação vai além da mãe-filha. Minha mãe teve três partos normais e sempre apoiou minha decisão em ter partos naturais. Entretanto, quando eu nasci ela sofreu todas as intervenções e maus-tratos tão comuns dados à uma mulher inexperiente que chega ao hospital em início de TP. Ela tinha 19 anos, estava sozinha, éramos apenas nós duas contra o sistema. Então, esse meu parto seria um resgate, para nós duas, do meu nascimento, seria a nossa revanche.

 

O intervalo entre as contrações foi diminuindo. Ana Cris chegou em casa e as contrações chegaram a 5 em 5 minutos. Mas estacionaram. O TP não foi pra frente nem pra trás. Todos foram embora. E foi assim que se iniciou o meu “TP à prestação” (ou como disse alguém da lista: o TP Casas Bahia, com as prestações mais longas da praça). Foram mais de 10 dias de pródromos em que tudo acontecia: contrações que aumentavam e diminuíam, perda de tampão, sangramento devido à dilatação do colo do útero, mas nada do trabalho de parto engatar.

 

Era a natureza brincando comigo novamente, mostrando que não há regras, não existe um modelo. Cada parto é um parto. È por isso que tantas mulheres são violentadas com cesáreas, porque se espera um padrão, não acreditam no parto, acreditam em números. Mas como querer que o Divino encaixe-se num padrão? È um capricho humano idiota querer controlar a natureza.

 

Eu ia tentando conter a ansiedade, aproveitei para arrumar as coisinhas do bebê, fiz bastantes rituais, namorei, namorei... Na quarta-feira, eu e o Marcos resolvemos tirar o dia só para nós, fomos passear. Andamos bastante, conversamos, comemos (Nossa... como eu comi nesse dia, parecia que eu estava adivinhando que precisaria de energia extra). À noite decidimos colocar nossas melhores roupas e sair com a família (eu, Má, Pedrinho e bebê na barriga), fomos jantar. Foi uma noite muito especial. Quando chegamos em casa eu me sentia exausta. O Má ficou com o Pedrinho e eu fui dormir (bem mais cedo que o habitual).

 

À 1h47 da madrugada acordei com uma forte contração, intuitivamente apertei a mão do Marcos, que acordou. Eu estava tão bêbada de sono que não sabia dizer se era TP ou indigestão. Levantamos. Logo, outra baita contração. Falei para o Má: “Agora é!”. Mas ele ainda estava desconfiado por causa dos falsos TPs (é o que eu digo, parece a história do “é o lobo, é o lobo”, quando o lobo aparece ninguém acredita) ele disse: “Vamos ver, se vc tiver mais umas três dessas eu ligo para todo mundo”. Eu estava sem credibilidade, mas, para salvar minha moral, vieram mais três contrações que me fizeram querer bater nele. Então ele acreditou e fez as ligações. Logo, todos da equipe estavam aqui em casa.

 

Eu planejava ter o bb no quarto, mas o Pedro estava dormindo, então a sala foi o local escolhido. As contrações vinham fortes, não conseguia ficar parada. Então resolvi dançar. Dancei com o Marcos, com minha mãe, com a doula... Tudo estava indo rápido, logo comecei a sentir os puxos. Eu estava ficando cansada, puseram a cadeira de cócoras para eu sentar. A Ana Cris ficou na minha frente e o Marcos ajoelhou-se para segurar minha mão. A cada contração eu buscava o seu olhar, era como um guia para eu não mergulhar no descontrole.

 

Nas primeiras contrações eu estava como uma garotinha recatada, era só “Ai, meu Deus”, “Ai, Jesus”, “Ai, Nossa Senhora”. Depois minha boca estava tão suja quanto a de uma meretriz, eu gritava “P*q*p*”, “Cara***”, “Cace**”, a certa altura eu berrei “P*q*p*, eu tinha esquecido como essa porra dói!”

 

Eu sentia vontade de fazer força, mas a dilatação ainda não estava completa. A bolsa ficava aparecendo (que coisa linda! Translúcida...) Pedi para filmarem. Aliás, não sei onde consegui arrumar neurônios para, em pleno TP, tentar organizar o pessoal. Lembrei que alguém precisava filmar e fotografar. Pedi para apagarem a luz e trazerem um abajur, mostrei para a Andréa onde desligar o ventilador. Só a dona da casa para organizar seu próprio parto.

 

Eu tinha vontade de fazer força, mas a dilatação ainda não estava completa, eu também estava ficando cansada. Então o Dr. Jorge sugeriu que eu fosse para o chuveiro. Puseram o banquinho e eu fiquei embaixo d’água. A água quente é uma benção para uma mulher parindo, que delícia, que alívio...Eu não queria mais sair de lá. (Nunca planejei meu parto no banheiro, mas é tão óbvio. Afinal o banheiro é o local mais adequado às coisas fisiológicas).

 

A Ana Cris e o Marcos se revezavam, até que chegou o momento em que eu não quis mais gritar nem reclamar. Voltei-me para dentro de mim, concentrei-me no meu bebê, fui para a “partolândia”. Apenas respiro e faço força. Sinto todo o meu corpo se abrindo, respiro, éramos apenas eu e o bebê, faço força, eu sabia que faltava pouco.

 

Num breve instante abro os olhos, vejo minha mãe e a doula em frente a mim. Três mulheres, uma tríade feminina. Escuto minha mãe falar sobre o valor de se resgatar um parto. Mais uma força. Sinto o anel de fogo. Fecho os olhos, procuro respirar profundamente.

 

Quando abri os olhos o banheiro já estava cheio, o Dr. Jorge estava sentado abaixo de mim. Entre as pessoas procuro o Marcos. Ele estava lá, apreensivo, emocionado. Mais uma força e sinto meu bebê saindo (no vídeo eu vi que ele estava com uma circular de cordão que foi facilmente retirada).

 

Imediatamente ele foi colocado nos meus braços. Só consigo dizer “Aahh... bebê, meu bebê...” Tento decorar cada pedacinho dele, lembro de olhar o sexo: “É menino!” O Marcos entrou no box, nos abraçamos, nos beijamos. Continuo conferindo cada pedacinho, até que percebo que ele tem seis dedinhos num pé (o Marcos tem seis dedos em cada pé). Eu disse: “Má, tem seis dedinhos!” Resolvi contar os dedos das mãos, seis em cada. “Na mão também!” Essa foi a nossa surpresa! Não achamos ruim, pelo contrário, ele trazia a marca do pai dele. Esse é o milagre da vida! É quando percebemos nitidamente que os nossos filhos são a extensão de nós mesmos. Nesse momento o Marcos não conseguiu controlar a emoção e se desmanchou em lágrimas.

 

Minha mãe também chorava, estava vingada. Pedi para ela trazer o Pedro que já havia acordado e estava brincando com o “bobô” (o avô dele). Assim que viu o bebê ele abriu um baita sorrisão e gritou: “Ne-ném!” (Como quem dá boas vindas a alguém muito esperado).

 

Ficamos os quatro espremidos no box minúsculo, era a nossa família aumentando. O Marcos cortou o cordão. João Felipe, meu bebezinho, finalmente estreou para o mundo, uma estréia gloriosa!

 

Débora Regina 

São Paulo - SP

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