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Relato de parto de Gaía Passarelli - nascimento de Lorenzo

Cordão enrolado e má posicionamento do bebê não impediram a vivencia de um intenso processo de entrega, amparada por uma assistência acolhedora e pouco invasiva, liberdade de posições e banheira de água quente

 

Comentário rápido antes de tudo. Imaginem a cena: o Marcelo morrendo de orgulho e contando para a avó dele como eu "havia sido corajosa e encarado o parto sem anestesia". A velha senhora, do alto dos seus lúcidos noventa anos e quatro filhos, faz cara de desdém e diz: "grande coisa! eu também não tomei nada, imagine, no meu tempo nem tinha essas coisas!"

 

Bom, sobre a gravidez, acho que nove meses é pouco tempo para absorver a enorme quantidade de informação sobre parto e pós-parto que é jogada em cima das recém-mamães.

 

O obstetra e as listas de discussão na Internet foram essenciais. Por ali vieram ótimas dicas de leitura, sites, artigos, encontros e cursos. O parto foi se desenhando na minha cabeça, naturalmente, sem pressa.

 

A gestação foi muito calma, me alimentei bem, ganhei pouco peso, fiz algum exercício (yoga, caminhadas) e segui à risca a decisão de me poupar e evitar situações que não me fizessem bem.

 

No último ultrassom, que coincidentemente foi no dia em que começou o trabalho de parto, o médico viu uma circular de cordão e avisou o meu médico, o Dr. Marcos, que nos deixou calmos, fazendo questão de frisar que a circular “não” era indicativa de cesariana ou problemas durante o parto.

 

O trabalho de parto começou no dia 11 de outubro, com 40 semanas e quatro dias, por volta das 15h30. O Marcelo veio pra casa e ficamos conversando e queimando CDs com trilha sonora para a hora do parto.

 

Começou a bater uma ansiedade forte, por mais que eu tentasse me manter calma. Quando a dor chegava era difícil manter o foco. Ligamos para o Marcos, que disse para eu não me apressar porque estava tudo bem e que quando fosse a hora de ir para a maternidade a gente ia saber.

 

Por volta das 19h30 eu decidi que queria sair de casa - já estava literalmente rolando no chão da sala! Me incomodava não saber bem o que estava acontecendo, e estava tão assustada com a dor que estava sendo difícil retomar o controle.

 

Cheguei na maternidade e fui examinada por uma obstetriz muito simpática, que me lembrou de respirar. "Quando a dor vier com força, coloca sua cabeça na respiração", ela disse, e lembrei de quanto tempo tinha passado fazendo exercícios de respiração na yoga. O conselho ficou comigo até o final.

 

A obstetriz confirmou que eu estava com 4/5 centímetros de dilatação, 3 contrações a cada 10 minutos. Pegou meus dados com meu marido, nos encaminhou para a suíte de parto (a LDR, onde você fica durante todo o trabalho de parto e depois, em recuperação) e chamou o Dr. Marcos. Eu quis ir andando para a suíte e no meio do corredor, a bolsa estourou! Eram 22h30.

 

A sensação imediata foi de muito alívio, como se tivesse liberado uma pressão enorme. Quando cheguei no quarto, a banheira já estava cheia de água quente, entrei e fiquei lá relaxando. Estava quente demais na verdade, mas a sensação da água batendo no corpo era tão relaxante que não percebi.

 

Veio a enfermeira colher meu sangue - para o banco de células-tronco onde decidimos armazenar o sangue do cordão do nosso bebê - e sugeriu que eu saísse até a água esfriar, mas eu não quis. Quando o Marcos chegou, eu, que sou hipotensa, estava praticamente desmaiada na água. Esfriaram um pouco a água e aí começou a doer de verdade.

 

Eu só conseguia pensar que nada havia me preparado para a dor. Nenhum relato, nenhuma gravação, nada. É algo que rasga por dentro, faz você esquecer o próprio nome, virar os olhos. A água ajudava, os carinhos do Marcelo ajudavam, a respiração ajudava, mas a cada contração - e o intervalo entre elas era cada vez mais curto - eu pedia descanso. E aí eu comecei a perceber que, quanto mais eu desligasse do mundo, mais fácil era de enfrentar a dor.

 

Começava contando as respirações - um, dois, três, quatro, cinco, seis... - e tentava mantê-la ritmada, de forma que quando eu chegasse no dez sabia que estava acabando. A contagem criava um transe, que era interrompido a cada vez que o Marcelo ou o Marcos falavam comigo, mas não era difícil retornar.

 

Quando me pediram para ir até a cama verificar a dilatação - já montada de forma que eu pudesse ficar sentada e procurar a melhor posição - eu já estava com 8 pra 9 centímetros. Não quis voltar para a banheira e fiquei por lá mesmo.

 

O bebê estava "virado", com a cabecinha ao contrário do que deveria para ser mais fácil escorregar, olhando para o chão. Lembro de ter passado algum tempo de quatro para ajudar a posição do bebê. Não demorou muito para me avisarem que eu já tinha 10 centímetros de dilatação, que o bebê estava na posição para descer com mais facilidade.

 

Já podíamos ver o cabelinho dele e isso tornou mais fácil manter o foco. Entre um transe e outro eu acordava para fazer força para ajudá-lo a descer e, sem que eu percebesse o tempo passar, esse processo durou 01h30.

 

De repente eu vi a movimentação toda: o Marcos com a roupa verde de médico, a assistente me ajudando a não parar a respiração, a cabeça do Lorenzo no espelho, o Marcelo do meu lado apertando minha mão e ligando a filmadora.

 

E entre muita força, muitos gritos (berros!) e uma dor que não é mais exatamente uma dor, de tão intensa e especial, eu ouvi alguém dizer: "é um garotão!".

 

A surpresa que a gente queria finalmente tinha chegado. Foi TÃO fudidamente bom ter o Marcelo ali nessa hora, olhar os olhos dele quando o bebê foi colocado no meu peito, ainda todo sujo de vérnix, se mexendo e começando a chorar, segurar o bebê e ver que ele tava inteirinho, vivo e bem.

 

Qualquer resto de dor desapareceu, ele abriu os olhos (enormes, pretos, como eu queria que fossem) e ficamos ali, nos examinando, cheirando, totalmente alheiros ao que estava acontecendo no resto da sala. Éramos só nós três: pai, mãe e filho, a família recém-formada tendo seu primeiro contato.

 

A neonatalogista do Einstein, que assistiu ao momento do nascimento, não teve nenhuma pressa em tirar o bebê do meu colo para examinar e quando o fez, pediu com muito jeito e perguntou qual era o nome.

 

Indo para o berço, montado a alguns centímetros da minha cama, ele foi batizado: Lorenzo, o nome que eu e o Marcelo tínhamos combinado.

 

Soubemos que o Lorenzo nasceu às 02h55 do dia 12/10/2004, com 49cm, 3,265k, Apgar 8/10 e a tal circular de cordão prendendo a mãozinha dele ao lado da orelha direita.

 

Em alguns minutos o bebê de cabeça pontuda estava seco, quente, rosado, com a pulseira de identificação e de volta ao meu colo para uma primeira mamada de colostro, enquanto o pessoal "lá embaixo" começava a dar pontos onde havia lacerado. Foram aproximadamente cinco pontos nos músculos ao redor do períneo, que doeram um pouco no dia seguinte e continuaram em cicatrização.

 

A costura foi mais desagradável do que ter que sentar na almofadinha com furo no meio depois, mas acredito que ainda assim foi menos traumático do que um corte mais profundo, bem dado com bisturi.

 

Não guardo nenhuma lembrança ruim desses momentos. E a maior confirmação, é que nosso filho - nascido no dia de Nossa Senhora de Aparecida, filho de Iemanjá, que nem a mãe e a avó - está aqui do meu lado enquanto eu reviso o texto, me olhando com seus enormes e espertos olhos pretos, esperando calmamente a próxima mamada...

 

 

Gaía Passarelli

São Paulo - SP

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