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Relato de parto de Socorro Moreira, nascimento do Mário

A dor de uma cesárea desnecessária com 40 semanas de gestação e o longo processo de cura através da livre demanda na amamentação

 

Há algumas semanas o obstetra vinha verificando o “encaixe” do bebê na minha pélvis. Na sexta-feira da semana que antecedeu o parto, solicitou um ultra-som que deveria ser utilizado para avaliar se ainda dava pra esperar que eu entrasse em trabalho de parto espontaneamente, uma vez que eu já havia completado as famigeradas 40 semanas.

 

Na segunda-feira com o exame na mão, apesar do resultado ser o melhor possível (boa quantidade de líquido, placenta grau II, boa vitalidade fetal) o médico me indicou uma cesárea para o dia seguinte informando que se o bebê não havia encaixado, não encaixaria mais. Ficamos atônitos! Fiquei completamente sem ação. Ainda anotei as “orientações” e fui pra casa. No caminho desabei a chorar.

 

Meu marido ainda tentava me consolar dizendo que a gente poderia ir em outro médico, que poderia desmarcar a cirurgia já que o exame dizia que estava tudo bem.

 

Mas ir pra qual médico? Ainda liguei pra desmarcar a cirurgia e o médico limitou-se a dizer que eu deveria tomar um calmante e que eu não devia colocar a vida do meu filho em risco adiando essa cirurgia.

 

Passei toda a noite chorando e andando pela casa. Um choro que ia de um desespero a uma sensação de desalento e ás 06:00 da manhã, tomei banho e resolvi que não havia mais nada a se fazer. Meu marido ainda quis me animar e disse: Em breve esse berço terá seu “morador”. Daí me toquei que não tinha arrumado o berço (pra não juntar poeira no mosquiteiro) e comecei a arrumá-lo e falar palavras de bênçãos para a criança que ali dormiria.

 

Arrumei o berço, dei folga para a empregada e meio-dia conforme combinado, fomos para a maternidade. Ainda precisamos voltar do meio do caminho duas vezes porque na primeira vez, esqueci a guia de internação em casa, na segunda, esqueci minha carteira com todos os documentos. Definitivamente: EU NÃO QUERIA IR.

 

Chegamos na maternidade, fizemos a internação e me foi apresentada a “camisolinha rosa”. A cirurgia estava marcada para as 18:00 e eram 14:00 hs sendo assim, me informara que eu poderia ficar com minha própria roupa. Mas eu estava resignada. Calma como uma vaca que vai para o abatedouro e não resiste, não fiz nenhum tipo de objeção à nada. Na verdade, mal falava.

 

Foi colocado o acesso, fizeram a depilação, e a lavagem intestinal (bastante desagradável por sinal porque fiquei com fezes líquidas por horas a fio).

 

Então, por volta das 18:00 me informaram que minha cirurgia seria realizada mais tarde, porque outra paciente do meu médico precisou de uma curetagem de urgência porque sofrera um aborto espontâneo. Confesso que nesse momento pensei: Bem que eu podia ir embora. Mas foi um pensamento abanado com um maneio de cabeça porque me vinham sempre as perguntas: Ir pra onde? Pra ter meu filho com qual médico? Afinal, ele não havia encaixado e segundo o médico a falta de encaixe prévio impedia uma tentativa de parto normal. Lembro bem da fala dele: Quando o bebê não encaixa, ele não passa. Fazia sentido pra mim na época e hoje vejo que é apenas um mito.

 

Mais tarde o próprio médico veio me informar que iria pro consultório mas já viria fazer minha cirurgia (com um tom mais animado do que eu aceitaria para aquele momento). Ainda perguntou como eu estava e eu dei de ombros...

 

O anestesista veio, conversou com meu marido que acabara de chegar (havia decido pra fazer um lanche) e ficamos esperando a hora. Não lembro de minha ida pra sala de cirurgia...só lembro de ser anestesiada. Lembro ainda da neonatologista minutos antes da aplicação da anestesia, tentando alisar minha barriga (e eu evitando) e perguntando se eram dois. E eu respondendo secamente. Não é só um mesmo!

 

Em seguida o médico chegou e perguntou se eu estava mais calma e se tinha tomado alguma coisa. Eu respondi: Não tomei nada!

 

Então eu fui deitada. O peso da barriga me fazia perder o fôlego e eu reclamei várias vezes até que pediram para uma enfermeira segurar minha barriga mais pra esquerda enquanto a cirurgia começava. Enquanto o anestesista e o obstetra conversavam animadamente durante a cirurgia, eu tentava rezar mentalmente uma ave-maria (sem muito sucesso) quando de repente ouvi o choro do meu filho. O primeiro pensamento que me veio à mente foi: coitado! Isso é jeito de se nascer! E meus olhos começaram a verter lágrimas de alegria, tristeza, pesar, alívio. Porque tinha que ser assim? Pensava eu. Então ele nasceu. Ás 21:45 do dia 26/10/1999.

 

Ele foi trazido e colocado em cima de mim. Lembro do anestesista tirando uma foto (meu marido deu a máquina à ele) e depois pedindo pra eu ajeitar a máquina que não estava mais disparando. Eu fiz um gesto de : Deixa isso pra lá e fui olhar direito minha cria que fazia um bico lindo (que ainda hoje, 5 anos depois ele faz quando dorme profundamente) e me olhava com aquele olhar que só os recém-nascidos tem. E sorri. Um sorriso triste, mas um sorriso de bem-vindo meu filho! Aproveitei a oportunidade pra “gemer” uma musiquinha que eu sempre cantava pra ele e em seguida ele me foi levado. Fui sedada.

 

Marcus me conta que nosso filho chorou muito durante todo o período em que estive sedada. Engraçado é que lembro que me foi recomendado a cesárea a noite pra aproveitar o sono fisiológico e facilitar a recuperação. Mas não me passou pela cabeça o seguinte fato: E o bebê? Como fica o bebê enquanto a mãe “dorme”.

 

Segundo meu marido, nosso filho chorou a noite inteira nos braços dele, eventualmente ele colocava o bebê em cima de mim (ainda sedada) e ele se acalmava por alguns minutos mas voltava a chorar

 

A primeira mamada, eu dei ainda dopada. Tenho lembranças auditivas do evento (da conversa na sala) mas, apesar de estar de olhos abertos nas fotos, não lembro de ter visto ninguém. Entretanto, parece que ele mamou direitinho nesse momento.

 

Os dias no hospital foram um teste de paciência pra mim. Sem falar nas primeiras 24 horas com um bebê que chorava constantemente, eu querendo desesperadamente um pouco de privacidade pra ficar com ele. E confesso, havia em mim, uma sensação de alheiamento (talvez por conta da sedação) que só passou no fim do segundo dia. Ainda lembro da pediatra fazendo a consulta pra dar alta para o bebê e eu adormecendo de olhos abertos diante dela...eu estava tão sonolenta, que só percebi que eram recomendações quando recebi a receita com a prescrição do complemento caso o bebê apresentasse “fome” após as mamadas. Ainda lembro do pensamento que tive: E por que dar complemento? E por que não dar o peito novamente?

 

Passado o período de internação, voltei pra casa. O desconforto do pós-operatório foi superável, até porque eu tinha uma tarefa mais importante do que prestar atenção nas dores que sentia ao levantar, sentar, deitar, espirrar, tossir, rir...eu tinha que AMAMENTAR.

 

E consegui. Apesar das dificuldades (meu leite demorou 4 dias pra descer) e da falta de apoio de algumas pessoas. Tive muito apoio do meu marido, que em nenhum momento deu a entender que eu poderia ter pouco leite ou que o bebê poderia estar com fome.

 

Amamentar foi meu bálsamo. Foi o que manteve minha sanidade mental (ou quase), foi o que facilitou a cura de minha cicatriz emocional da cesárea. Foi o que abriu caminho para um relacionamento muito próximo com meu filho, o que devolveu um pouco a sensação de ser capaz que me havia sido roubada na cesárea. Ainda amamentei dois anos e quatro meses.

 

Hoje eu sei que minha cesárea foi desnecessária. Mas não lamento mais, não choro mais, ainda me dói na alma, em alguns momentos especiais, mas não tanto quanto antes.

 

 

Socorro Moreira

Fortaleza - CE

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