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Relato de parto de Thais Saito, nascimento de Melissa

Mãe de primeira viagem passa por cesárea desnecessárea por falta de preparo e informação adequada, mas a dor da experiência lhe traz força e estímulo para lutar por parto domiciliar na segunda gravidez.

 

A gravidez tinha sido tranqüila: enjôos nos primeiros três meses e mais nada. Sem inchaço, só algumas dores nas costas, e uma “alergia” que atingia o corpo todo e coçava muito. Mas nada tão grande. Não tive diabetes, nem pressão alta. Minha pressão era baixa, até desmaiei algumas vezes, mas logo passava. Foi só aprender a levantar devagar, comer toda hora...

 

Eu não tinha o que fazer. Ficava o dia todo deitada, ouvindo música ou lendo, vendo TV. Passava a maior parte do tempo, na verdade, conversando com a Melissa. Eu ficava o dia todo com o estetoscópio no pescoço pra ouvir o coração dela batendo sempre que eu quisesse.

 

Aí, na consulta de rotina, meu marido diz para o médico que eu estava estressada e cansada. O médico, claro, diz que não era pra eu sofrer. Se eu quisesse fazer a cesárea, ele faria: 38 semanas, o bebê já está pronto. Digo que não quero, quero parto normal, mesmo. Fiquei super irritada com o marido. Onde já se viu, querer ME fazer uma cirurgia porque a gente estava ansioso? Por que ELE achava que eu estava estressada?

 

Sexta-feira. Fizemos o exame com a Dra. Márcia, também do consultório. Ela diz que o Índice de Líquido Amniótico – ou ILA, como veio escrito no ultrassom – está em 8. Ave! Baixou mais. Estava 14 na segunda! Sexta de tarde, vamos à consulta com o médico. Ele diz:

 

- Thais, o líquido está baixando rápido demais. Vamos fazer?

 

Eu fiquei quieta, boba. Sabia que isso ia acontecer, mas tinha esperanças de que ainda fosse conseguir um parto normal. Respondi

 

- Vamos, meio sem convicção.

 

Ele ligou pra maternidade, conseguiu uma sala pra cesárea pras 21h30. Então voltamos pra casa afobados, eu e o Bhuda.

 

Fizemos a papelada, eu fui ser examinada. Um monte de perguntas, uma enfermeira obstétrica que eu nunca tinha visto. Acaba rápido e ela me diz pra esperar. Logo me leva pra um corredor e me deixa. Uma outra enfermeira, bem menos simpática, me dá uma sacola vazia e umas roupas verdes, daquelas de hospital. Leva-me pra um lugar onde posso me trocar. Não tem portas, mas e daí? Um monte de grávidas, mesmo! Coloco todas as minhas roupas, meu aparelho, meu piercing, minha aliança, meu sapato na sacola e visto o avental “bunda de fora”. E um sapatinho. Por cima, um avental que cobre as partes desnudas. E uma touca linda de morrer.

 

Então me chamam, eu levanto. Uma enfermeira, amigável até, me dá o braço e me leva pelo Centro Cirúrgico. Passamos por várias salas de operação, muitas sendo usadas. A minha era a última. Vejo a Dra. Nancy se lavando e me dá um sorriso. Nem consigo responder, tamanho é o meu nervoso. A enfermeira me coloca na maca e chama o anestesista.

 

Putz! é o médico que fez plantão no HC. Que sorte! Sei lá depois de quantas picadas o anestesista conseguiu. E me mandou deitar. Lembro do gelado daquela maca. Horrível! Ainda com 500 picadas nas costas... E começou: coloca medidor de pressão, de batimentos cardíacos, coloca o pano que cobria a minha visão. Isso enquanto o Dr. Luiz e a Dra. Nancy pedem o material necessário pra enfermeira. A enfermeira pergunta:

 

- Dr, vai usar o bisturi elétrico?

 

Quase que eu desmaio! Ele responde que sim. Putz! Que diabos é “bisturi elétrico”? Por que não pode usar o normal??? E lá se foi a enfermeira.

 

O dr. Luiz pinça minha barriga, pra ver se a anestesia já pegou. Senti. Na segunda, já não senti. A enfermeira já tinha voltado. Ele pede pra chamarem o Bhuda. Mas não espera. A enfermeira enrooooola. Eu estava chorando. Não sei se saíram lágrimas, mas estava chorando. Desesperada. O dr. Luiz testa o bisturi elétrico. Aquele barulho me deixou com muito mais medo. E ele começou a cortar. Eu entrei em desespero, achando que a anestesia ainda não estava fazendo efeito. Só senti um cheiro de queimado. E meu marido entrou na sala. Nunca senti tanto alívio ao vê-lo quanto naquele momento. E logo alguém o chama:

 

- Já vai sair!

 

E a enfermeira doce continua:

 

- Mas não encosta em nada, fica ali no cantinho pra não atrapalhar.

 

E o Bhuda vai. E nada de neném nascer. O anestesista sobre em cima de mim, cobre minha cabeça com o peito e empurra minha barriga. Só senti uma enorme falta de ar. E um medo. Nasceu! Deu pra ouvir o chorinho.

 

Aí eu chorei de emoção! Meu bebê estava lá, de verdade. Não era um sonho. E o Bhuda voltou pro meu lado. A enfermeira trouxe a Melissa pra eu dar um beijo e saiu correndo. E mandou o Bhuda sair também.

 

O Bhuda saiu. Os médicos continuaram costurando minha barriga, tirando placenta, enquanto conversavam sobre alguma besteira, tipo: há quanto tempo não se viam. Terminaram.

 

Deitada, ainda com aquele avental verde horrível, cheirando a sangue, perguntei da Melissa. O Bhuda contou sobre os pais, com quem ele conversou enquanto babava no vidro do berçário, e me mostrou as fotos que tirou. Vi minha mãe, a Melissa, os médicos. Chorei de novo ao ver aquele pedacinho de gente.

 

A enfermeira do corredor chega e se apresenta. Coloca um pano no meio das minhas pernas. Perguntamos da Melissa, ela diz que ainda ficava um tempinho no berçário. Então tá. Tentamos dormir, mas eu estava muito excitada, não conseguia.

 

Pensei em dar o peito, mas fiquei em dúvida. Ô, besta! A filha é minha, o peito é meu! Devia ter dado na hora que eu quisesse. Mas ela não estava chorando, então ficamos só olhando e cheirando.

 

Chegou uma enfermeira com um pote com um algodão molhado. Mandou limpar o bico dos seios e foi embora. Limpei. Ela voltou e mandou colocar a Melissa pra mamar. Coloquei. Ela pegou, a enfermeira disse “ah, ela já sabe!” e virou as costas. Então tá bom. Ela mamou bastante dos dois lados, mas não saiu nada. Ela dormiu na barriga do Bhuda enquanto eu descansava. Estava cansada. Isso já eram umas 6h da manhã. Às 7h ou 8h chegou o café-da-manhã. Comi um monte, o Bhuda também. Melissa foi levada pra fazer o exame com o pediatra.

 

Todo dia de manhã era assim: levavam a Melissa, chegava o café. Entrava um, falando de um produto, um exame, uma camiseta com a foto do bebê, isso ou aquilo. A gente quase não conseguia dormir. Aí chegava o horário de visitas... Ai ai!

 

Um dia eu vi uma reportagem sobre parto normal depois de cesárea, com uma foto bem grande da Ana Cris, da Júlia e do Henrique na Revista Crescer (eu não sabia quem eles eram). Aquilo me animou e eu fui atrás. Encontrei o site Amigas do Parto.

 

Foi ruim não conseguir levantar da cama pra atender a minha filha prontamente. Principalmente porque o choro dela me dói na alma e eu não conseguia. Chegou uma hora em que eu quase desisti de ir acudí-la. Não conseguia, mesmo, que diferença ia fazer?! Ficava irritada quando ela começava a chorar e chorava junto de frustração. Cheguei a dar de mamar de pé, porque doía pra sentar. Ainda bem que a dor passou em umas duas semanas.

 

Mas, pior mesmo, é a sensação de ter sido enganada. Porque eu fui. Meu ex-ginecologista é ginecologista da minha mãe, da minha irmã e era meu. Ele sempre se disse vaginalista. Eu acreditei. Eu me senti culpada também por não ter lutado, estudado, pesquisado. Por ter acreditado e, simplesmente, aceitado.

 

Mas, com certeza, se eu não tivesse passado por essa cesárea, se tivesse tido um parto normal com tudo (episiotomia, anestesia, kristeller, tricotomia, enema, etc), eu ia ter achado legal e não ia chegar ao parto domiciliar do João. Então, apesar de ter tirado da Melissa um nascimento digno, eu vou poder ajudá-la quando ela engravidar.

 

 

Thais Saito

Guarulhos - SP

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